sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Psicologia e Acupuntura: esclarecimentos

Psicologia e Acupuntura: Aspectos Históricos, Políticos e Teóricos

Delvo Ferraz da Silva
Psicólogo acupunturista e Especialista em Fisiologia Humana Aplicada à Medicina,
presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia e Acupuntura – SOBRAPA.

O homem na visão da acupuntura tradicional

A acupuntura é a única terapêutica sustentada por um sistema filosófico que, além do mais, nos faz entender o homem em si e no seu relacionamento com o meio ambiente e, por extensão, com o Universo, o que torna o ato terapêutico praticado na sessão de acupuntura o mais perfeito, correto e adequado (Cordeiro, 1994, p.25).

A milenar acupuntura foi fundamentada e estruturada em bases filosóficas, e não científicas, há milhares de anos. Tymowski (1986) afirma que a Medicina tradicional chinesa é fundamentada no conceito filosófico taoísta de integridade e unidade do todo, a unidade do organismo humano em si e a unidade maior do ser humano com a natureza; ela representa a condição vital para nossa sobrevivência.

Dumitrescu (1996, p.220), pesquisador dos mecanismos científicos que explicam a ação da acupuntura, acrescenta: “Numa expressão simbólica, através de uma terminologia específica, a acupuntura sustenta a integração do organismo vivo no macrocosmo com o qual esse entretém ligações intercondicionais. Do ponto de vista filosófico, encontramos aí uma perfeita semelhança com a teoria dos sistemas, segundo a qual todo sistema se encontra numa ligação de interdependência com o macrossistema do qual ele deriva, e a perturbação de um provoca reflexos na funcionalidade do outro. A permanência das formas materiais, energéticas ou informacionais, com a translação recíproca de uma forma na outra, é conhecida na acupuntura há mil anos”.

Como se pode ver, a Medicina tradicional chinesa, em particular, a acupuntura, percebe o ser humano como uma unidade menor (microcosmos) dentro de uma unidade maior (macrocosmos), sendo um influenciado pelo outro, e vice-versa, no qual o primeiro faz parte incondicional do segundo e contribui para a evolução do todo.

Segundo Mann (1971, p.17), “foi há 5000 anos que o legendário Imperador Amarelo chamou o seu médico-chefe e ordenou-lhe: ’Relate-me tudo sobre a Natureza, o Tao e as leis da acupuntura.’ O diálogo que se seguiu a essa ordem foi escrito mais tarde, em vinte e quatro volumes, e constitui o primeiro registro de que dispomos sobre a acupuntura ...”

Esse clássico, conhecido como Imperador Amarelo ou “Nei King ou Nei Jing”, é considerado, entre os estudiosos, a base de consulta de todo o conhecimento sobre a teoria e a prática do acupunturista. A diferença na grafia de “Nei King” para Nei Jing reside no fato de alguns autores utilizarem a grafia proposta por Morant (Nei King), que introduziu a acupuntura na Europa nos anos trinta ou pela grafia proposta pelas escolas chinesas modernas (Nei Jing). Neste trabalho, utilizaremos a primeira grafia, proposta por Morant.

O clássico - Nei King - contém todo o conhecimento a respeito do ser humano escrito acerca de 2.453 a.C., e até hoje é fonte de informações para diagnóstico, terapêutica e propedêutica, além dos ensinamentos oriundos da filosofia taoísta. É fonte riquíssima de informações sobre o ser humano e sobre como ele era percebido nas suas dimensões físicas e psíquicas.

Segundo Tymowski (1986, p.18), o “Nei-King” (O Livro do Interno) (453 a.C.-220 d.C.), verdadeiro monumento do pensamento chinês, resume todos os conhecimentos transmitidos desde as origens pelas diferentes escolas e contém, na sua primeira parte – o “So-Uenn” –, toda a patologia, higiene e terapêutica pelas agulhas e pelos medicamentos, e, na segunda parte – o “Ling- Chu” –, um verdadeiro tratado da acupuntura clássica, que ainda hoje constitui a obra de
base de todos os acupuntores”.

Concordando com esse pensamento, Dumitrescu (1996, p.20) conclui: “O mais importante tratado médico proveniente da antiga China foi, sem dúvida, o Huangdi Nei Jing (Cânon de Medicina), conhecido pelos europeus numa variante compilada desde o período das guerras (474 -221 d.C.), uma apresentação em sumário do saber médico e filosófico...”

Nghi (1984, p.53), considerado pelos acupunturistas como uma das maiores a autoridades ocidentais na acupuntura, escreveu: (...) “L´homme répond au ciel et à la terre” (O homem responde ao céu e à terra). Tal afirmação sintetiza, de forma magistral, os princípios que norteiam as teorias da filosofia da Medicina tradicional chinesa.

É possível encontrar, em Faubert (1990, p.16), ainda: “De fato, a originalidade do pensamento chinês, com relação à nossa, reside na visão de síntese do cosmos. Ele não procura opor os diversos elementos, mas sim, ligá-los por grandes leis de mutação que explicam os diversos fenômenos como outras tantas manifestações da mesma unidade subjacente. O ser humano, em particular, não vive separado do resto do universo, mas em harmonia com ele. Do macrocosmo ao microcosmo, as mesmas leis regem, assim, a vida e a morte, e exprimem o princípio universal: o Tao”.

O pensamento antigo chinês também considera que, em relação à organização desse ser humano, quer em seus aspectos físicos, quer nos aspectos psíquicos, tais componentes são indissociáveis, como pode ser visto em Faubert (1990, p.95): “Segundo a tradição chinesa, o ser humano constitui uma só entidade energética, e não é suscetível de ser dividido. O psiquismo não pode, portanto, em caso algum, ser dissociado do físico: ambos representam manifestações diferentes da mesma energia, eles seguem as mesmas leis e estão em interdependência completa, como as duas faces da mesma folha de papel. No caso de perturbações, seja do psiquismo ou do organismo, não se poderia, em absoluto, tratar de um sem referência ao outro...”

Segundo Cordeiro (1992, p. 63), “Tudo é energia. O corpo humano, físico, material, difere do que chamamos de energia apenas pela diferença e intensidade de vibração. Assim, a diferenciação de tudo o que existe no universo é resultado do tipo de vibração, sendo esta dependente do sol, da lua, dos planetas e do globo terráqueo, que, em perpétuo movimento cíclico, apresentam variações energéticas que afetam o homem e toda a vida na Terra”. Logo, esse ser humano (microcosmos), unidade indivisível, está em constante inter-relação com esse todo (macrocosmos).

Quando ocorrem desequilíbrios na energia interna do homem, estes podem alterar sua relação com o macrocosmo, e vice-versa; logo, desequilíbrios do macrocosmo podem ser capazes de influenciar a organização interna do homem.

Segundo a Medicina tradicional chinesa, as desarmonias ou desequilíbrios podem ser verificados através de sinais físicos ou psíquicos, já que ambos os aspectos pertencem à mesma unidade. Esses sinais servem de base diagnóstica para se conhecer a causa inicial dos desequilíbrios. Os sinais e sintomas são classificados, agrupados e direcionam a hipótese diagnóstica para conclusões a respeito do que, na MTC, é denominado causas externas, internas ou nem internas e externas.
Poder-se-ia dizer, ainda, que o desequilíbrio entre homem-cosmos poderia levar a um desequilíbrio físico-psíquico, em que um influencia o outro, causando sofrimento.

Sobre a relação psíquico-física, por exemplo, pode ser encontrado, em Wang (762 d.C./ 2001), in Su Wen: “A excitação dos humores, como alegria excessiva, raiva, etc., pode danificar as vísceras, então, fere a energia vital do homem” (cap. 05, p. 52).

Cordeiro (1994, p.37) afirma: “A Medicina tradicional chinesa ensina que o mental e o físico têm origem na mesma essência, que, em sua manifestação maior, se apresenta como corpo físico - inn -, e, em sua manifestação menor, como mental – iang. Trata-se, pois, da mesma energia em níveis diferentes, podendo-se concluir que há uma interação total entre esses aspectos do homem e, portanto, as atividades mentais dependem da energia dos órgãos, do mesmo modo que, reciprocamente, influenciam a energia do físico”.

Conforme Chenggu (1987, p.5), “Por enfermedades mentales, se entienden aquellos tipos de anomalias en los que, debido a diversos motivos, em particular la excessiva excitación espiritual y psíquica, las funciones de los órganos y las vísceras del cuerpo humano pierden su normalidad, se dañan y se debilitan el qi, la sangre, los líquidos corporales, el jing (...) Todo esto causa disfunción del corazón y del cerebro, que se manifiesta em cambios extraños en los diversos tipos de conciencia, sentimientos, ánimo, habla y conducta”.

A acupuntura busca, então, devolver esse equilíbrio através de intervenções nesse corpo físico, nessa unidade psíquico-energético-socio-ambiental, através de estímulos em pontos de acupuntura, “aconselhamento” sobre as causas dos desequilíbrios, entre outras orientações, para ajudar o restabelecimento da “harmonia” perdida, que é, segundo a Medicina tradicional chinesa, a causa dos sofrimentos, sejam eles de natureza física ou psíquica.

Cordeiro (1994, p.37) explica que “o pensamento chinês não separa o corpo da mente (...) considera o indivíduo como um todo, de maneira global, e, por isso, as características psíquicas de cada um orientam o terapeuta para o diagnóstico concomitante do estado físico e psíquico do paciente. Em conseqüência, a ação da acupuntura, no corpo físico, repercute inevitavelmente no estado psíquico”. Stiefvater (1996, p. 223) ensina que: “Quem se ocupa durante muito tempo com acupuntura não pode deixar de considerar o seu aspecto psicossomático”.

A Medicina tradicional chinesa considera impossível dissociar o psiquismo da unidade total do ser humano integrado ao “Universo”, mesmo que didaticamente. Sobre a pesquisa e o estudo do psiquismo, encontramos Faubert (1990), que afirma: “O conjunto do psiquismo é formado por cinco funções, geralmente designadas por Charles Leville-Méry pelo termo “entidades viscerais”.

* Este é apenas um trecho do artigo.
O artigo completo pode ser encontrado em: "PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2007, 27 (3), 418-429", no site http://revista.psicologiaonline.org.br/index.php/rpcp/issue/view/1/showToc

Um comentário:

  1. Oi Cínthia!
    Ficou legal hein!
    Gostei da iniciativa!!
    Vou dar sempre uma passadinha por aqui, e vou também divulgar para outras pessoas!

    Grande abraço!

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